Sesc SP

Matérias do mês

Postado em

A literatura de horror no Brasil por André Vianco

André Vianco divulgação / manipulação digital Willian Lopes de Abreu
André Vianco divulgação / manipulação digital Willian Lopes de Abreu

O mistério, o desconhecido e a semeadura das incertezas são os principais ingredientes de um bom livro do gênero terror, segundo o escritor André Vianco. “O homem morre de medo do que desconhece”, diz.

Roteirista, dramaturgo, diretor e um dos mais renomados autores da ficção fantástica nacional, já tendo ultrapassado a marca de 1 milhão de exemplares vendidos, André busca fazer a “alquimia” destes ingredientes em sua obra, que inclui títulos de terror, suspense, sobrenatural e fantasia.

Seu mais conhecido livro é “Os Sete”, lançado em 1999 de forma independente e que se tornou um best-seller, somando mais de 100 mil cópias vendidas. O livro atualiza o mito dos vampiros e o insere dentro da realidade brasileira. Na trama, uma caixa encontrada em uma caravela portuguesa naufragada, com mais de 500 anos, é aberta e nela são encontrados sete cadáveres. Os corpos misteriosos são levados para estudos e tudo parece estar sob controle até o despertar do primeiro deles.

André Vianco está na programação de novembro do Sesc Birigui, onde comanda o bate-papo A Literatura de Horror no Brasil. Em entrevista concedida à EOnline, ele falou sobre características e o cenário da literatura de terror brasileira, citou autores de destaque, e um pouco sobre o fascínio das pessoas pela “cultura do horror”

 

Quais são os principais nomes da literatura de horror no Brasil (antigos e atuais)?

André Vianco: Adoro quando fazem essa pergunta, porque, pouca gente sabe, mas muitos autores hoje tidos como cânones e clássicos da literatura nacional dedicaram seu talento para olhar para as sombras e mergulhar nas trevas. Muitos nomes vêm fácil à nossa memória, como o patrono do nosso Terror, do gótico, Álvares de Azevedo, com Noite na Taverna. Também tivemos obras interessantes e cheias de talento lavradas por Lygia Fagundes Telles, R. F. Luchetti e, para surpresa dos iniciantes no gênero, com um pouco de pesquisa você vai achar textos de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e do bom e velho Machadão de Assis. Hoje é mais difícil fazer o destaque de autores (porque são muitos que se devotam ao terror e aos gêneros especulativos), mas destaco o talento e a pertinácia de Cláudia Lemes, que vem fazendo um trabalho maravilhoso no policial, cheio de páginas sombrias, além de Márcio Benjamin, até o querido Raphael Montes, que também deu seus pulos nas trevas. Quem gosta do gênero não vai ter dificuldade de encontrar uma profusão de bons autores e autoras nacionais em plataformas digitais... Agora, curiosamente, em muitos meios ainda existe certo preconceito com relação ao gênero; uma pena, porque é uma das discussões, dentro da ficção, que sempre provocou muitos autores em todos os tempos, pois falar de terror é falar da gente como espécie humana.
 

A literatura nacional tem uma recepção imensa e leitores não faltam. É um gênero muito querido e buscado por leitores. Mas quando o assunto é a difusão, é um trabalho de formiguinha, árduo, e com pequenos espaços nos grandes veículos.
 

Quais são as principais características da literatura de horror Brasileira atual?

André Vianco: Vejo que nos últimos anos muito escritores e escritoras, além de escreverem o horror, também "trabalham" para criar uma raiz nacional para o gênero, procurando uma voz nossa para dar vazão aos nossos monstros. Outro fenômeno, mais mundial para o gênero, é a liberdade de poder publicar o que você quiser (e o terror vem forte aí) e formar público independente das grandes editoras.

Qual seu livro do gênero preferido e por quê? Pode citar um nacional e um internacional?

André Vianco: Tenho dois do mesmo autor: “A dança da morte” (1978) e “Insônia” (1994), de Stephen King. Sou um leitor voraz e nunca fiquei fixo, como leitor, no terror. Fui grande leitor de folhetim na infância e adolescência, o que semeou em mim uma veia melodramática que alimenta minha obra na ótica da melancolia. Dos nacionais, um dos meus favoritos é "Diário da Sibila Rubra” (2008), de Kizzy Ysatis.

 

 

A literatura de horror por aqui é pouco ou muito difundida? Por quê?

André Vianco  A literatura nacional tem uma recepção imensa e leitores não faltam. É um gênero muito querido e buscado por leitores. Mas quando o assunto é a difusão, é um trabalho de formiguinha, árduo, e com pequenos espaços nos grandes veículos. Mas a internet mudou tanto esse cenário, que prescindimos dos antigos chamados "veículos de mass média" e temos uma pletora de blogs, vloggers e podcasts que buscam autores do gênero. Costumo brincar com minha agente que prefiro mil vezes trocar uma ideia com os amigos do Jovem Nerd, que participar do programa do Bial, por exemplo. A repercussão de participação em podcasts como Jovem Nerd, MRG e Rapadura Cast dão muitos mais frutos e exposição que programas estáticos na “titia” televisão.

 

Agora, curiosamente, em muitos meios ainda existe certo preconceito com relação ao gênero; uma pena, porque é uma das discussões, dentro da ficção, que sempre provocou muitos autores em todos os tempos, pois falar de terror é falar da gente como espécie humana.

 

Geralmente, costuma-se separar o terror "convencional" (de sangue e zumbis, por exemplo) do chamado "terror psicológico" (cheio de suspense e "climão" psicológico). Você concorda com essa separação?

André Vianco: Olha, concordo, sim. E se formos a fundo nisso temos até outras classes do terror/horror para se debruçar. Ambos geram frutos deliciosos e não é de hoje. Um exemplo é o sessentista O bebê de Rosemary (Roman Polanski/1969), que é psicológico e continua atual e delicioso. O ruim é quando começam a usar essas etiquetas para "separar" como se um fosse mais valioso do que outro. O medo de alguns escritores e produtores é tão grande em assumir o terror, que chegamos até a essa nova nomenclatura de "pós-horror", o que, pra mim, é uma grande bobeira. Nós, autores do terror, os penydreadfuls, ainda estamos na frente do teatro Le Gran Guinol vendendo nossos contos em folhinhas por um centavo cada; somos irmãos e ninguém é melhor que ninguém.

O que acha que faz com que algumas pessoas tenham fascínio pela "cultura do horror", pelo medo provocado por obras ficcionais?

André Vianco: Acho que é uma coisa atávica da espécie humana. Desde o nascimento dos heróis, desde que se dá nota de registros de histórias de "salvadores" de uma tribo ou de um Estado, eles confrontaram monstros. Os monstros sempre moveram os homens, no imaginário e no mundo concreto. Esse fascínio está riscado dentro de nós... Buscamos a sensação do medo e a indústria do entretenimento sabe usar bem isso e nos ofertar o alívio que o terror controlado proporciona à nossa mente e ao nosso corpo.