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Itamar Borochov, o jazz espiritual

Jay Sawyer (bateria) e o trompetista israelense Itamar Borochov. (Foto: Carol Vidal)
Jay Sawyer (bateria) e o trompetista israelense Itamar Borochov. (Foto: Carol Vidal)

Por Jotabê Medeiros 

Vestindo uma kurta preta (bata hindu) e tênis all star fragorosamente laranja, o trompetista israelense  Itamar Borochov entrou no palco do Jazz na Fábrica, na noite desta sexta, como um autêntico “azarão” da programação. Saiu de cena, após 7 músicas, aplaudido de pé durante 3 minutos, deixando um rastro de melodiosidade que vai permanecer por muito tempo ainda na emoção de quem assistiu.

Pouco conhecido, de apenas 33 anos, ele vive em Nova York desde 2007 (foi aluno de Cecil Bridgewater), e já é uma realidade do circuito de jazz de Manhattan (é assíduo do Birdland e do Lincoln Center) e do Brooklyn, onde mora. Mas era uma incógnita para o público paulistano. Com um trio de rara cumplicidade (o assombroso Jay Sawyer na bateria, Rob Clearfield ao piano e seu irmão, Avri Borochov, no baixo), Itamar se divertia em sua primeira turnê pelo Brasil. “No mundo todo, em todo lugar que vou, meu nome, Itamar, é considerado estranho. Aqui, todo mundo conhece, é familiar para todos”, disse, rindo.


A banda formada por Rob Clearfield (piano), Avri Borochov (baixo), Jay Sawyer (bateria). Foto: Carol Vidal

A música de Borochov é uma ponte entre o jazz norte-americano de Coltrane e as tradições religiosas do Oriente e da África. Da sinagoga sefardita onde fez sua iniciação religiosa, traz a postura de espiritualidade que permeia cada solo de seu instrumento, mas com a abertura de um gospel universal, filosófico. Em canções como Jaffa Tune (ele nasceu no bairro de Jaffa, ou Yafo, em Telaviv), a leitura feérica da agitação de um mercado de pechinchas se mistura à tradição do hard bop, um resultado irresistível de um conceito músical único. A composição Adon Olam, por exemplo, vem de um tradicional poema judaico-argelino que Borochov dissolve em uma festa ritualística.

Quando Itamar tocou Wanderer Song, uma canção tradicional de Bucara (cidade de origem persa do Uzbequistão) à qual ele deu sua versão, foi um choque: construída como uma oração no trompete sussurrante do músico, a canção chega ao final com um crescendo estrepitoso, uma explosão digna de um concerto de rock. Essa transição entre gospel, soul e urbanidade é acentuada em Ça Va Bien, um mix da cultura judaica e muçulmana com breques do Harlem.

“O bebop foi uma das mais altas formas de arte musical, a primeira world music; integrada, tribal, sofisticada e profundamente familiar. O que estou fazendo agora, trazendo meus sons para o idioma do jazz, não é diferente do que Dizzy Gillespie fez. Estou avançando para me reconectar com as raízes e levando as raízes para o agora, para o futuro”, ele refletiu.

Um piano entre Chopin e Keith Jarrett, um baterista que ia da virulência de um Elvin Jones à delicadeza de uma percussão de sinos para criar climas e a ênfase no trompete como um artesanato melódico, ao estilo de Chet Baker: escanteando a precaução, é possível dizer que desde Brad Mehldau não pintava um instrumentista com tamanho grau de concentração e sentimento.


Piano com "concentração e sentimento". (Foto: Carol Vidal)

Borochov tocou pela primeira vez no Brasil. “Estou há três dias em São Paulo. É uma bela cidade, são belas pessoas. É um lugar de grande inspiração. Então, essa música é graças a vocês”, agradeceu, na metade do show. Homenageou o irmão baixista com a música Avri’s Tune, uma reverência ao sideman do sangue. Tocou, antes de São Paulo, em Piracicaba, e iria para Rio Preto a noite passada, uma miniturnê para privilegiados. Não é exagero: vale a viagem até o Noroeste do Estado.

Jotabê Medeiros é jornalista, crítico de música e escritor.

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